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Tanto as boas quanto as más notícias fazem parte da verdade, mas
divulgar apenas uma e esconder a outra é uma prática desonesta
adotada com muita frequência tanto por administrações públicas
quanto privadas.”
Por
Vilmar Berna*
Tanto
as boas quanto as más notícias fazem parte da verdade, mas divulgar
apenas uma e esconder a outra é uma prática desonesta adotada com
muita frequência tanto por administrações públicas quanto
privadas - e também pelos que lhes fazem oposição.
O
problema com a verdade é que, embora ela exista de fato, o
observador exerce uma influência sobre o que observou e sempre vai
distorcer a sua versão dos fatos, em tese, não por alguma maldade
ou por que queira enganar, mas por que cada um de nós é um ser
único, com história, informações, valores, compromissos e
comprometimentos, ideologias, etc, diferentes uns dos outros e ao
comunicarmos sobre alguma coisa, um pouco de nós vai junto com a
versão que dermos aos fatos.
Essa
nossa incapacidade em transmitir os fatos verdadeiramente, não
significa que a verdade não possa ser percebida. Ela apenas não
pode ser divulgada tal como é de fato.
As
comunicações sobre a verdade são apenas versões da verdade
verdadeira. E isso abre uma larga avenida para a manipulação da
informação. Considerando que informação é poder, aos
manipuladores não é um público bem informado que interessa, pois
mudanças podem ser perigosas para certos interesses dos que estão
no poder e se beneficiam dele. Uma sociedade bem informada pode fazer
escolhas diferentes, pode mudar. E fica bem difícil esperar a
verdade de quem tem vantagens com a desinformação do público.
Quanto mais cegueira, mais escuridão, mais confusão, melhor.
Enquanto
para uns só interessa revelar a parte da verdade que lhes favorece,
aos opositores interessa o mesmo, só que ao contrário. Não que
seja mentiroso omitir parte da verdade, pois mesmo sendo parte, é
verdade de qualquer forma - tanto para as boas quanto para as más
notícias. Logo, tão importante quanto avaliar uma mensagem, é a
credibilidade da fonte. Sabendo disso, os manipuladores da informação
nem se dão ao trabalho de debater ideias ou informações que
contrariem seus interesses. Vão direto na desqualificação das
fontes. Por exemplo, "fulano não tem credibilidade pois é pago
pelos administradores. Ou, sicrano não tem credibilidade pois é da
oposição". Em tese, caberiam aos veículos da mídia e a seus
profissionais de comunicação serem fontes isentas, confiáveis -
isso se seus empregos ou sobrevivência econômica também não
dependessem das verbas de publicidade públicas ou privadas.
"Eu
não tenho escrúpulos; o que é bom a gente fatura, o que é ruim a
gente esconde." - a frase dita em 1994, pelo embaixador Rubens
Ricupero, então ministro da Fazenda no Governo FHC (Escândalo da
Parabólica), ilustra bem essa filosofia. O ministro acabou tendo de
renunciar por dizer uma verdade que todos sabem, mas que não pode
ser dita.
O
direito de pensar, de criticar, praticamente fica abolido. Na
prática, é a Lei da mordaça, ampla, geral e irrestrita. Falar
'mal', divulgar notícia desfavorável a uma administração - seja
publica ou privada - é coisa da oposição. E o contrário também é
verdadeiro. Um opositor que elogie o contrário é visto com
desconfiança.
É
como um diálogo de cegos, surdos e mudos, como aquela imagem dos
três macaquinhos. As pessoas falam, mas ninguém escuta. E, se
escutam, não acreditam. Escolheram acreditar apenas nas partes da
verdades - ou em fantasias, ou em mentiras mesmo - já
preestabelecidas. E escolhem fontes de informação que não
contrariem suas verdades, mas ao contrário, que as fundamentem ainda
mais. É como viver num mundo de Alices no País das Maravilhas,
construído a sua própria imagem e semelhança. Como diz a canção,
"eu só quero saber do que pode dar certo, não tenho tempo a
perder". Muito poucos se interessam pela verdade
desinteressadamente. Sendo poder, sempre haverá alguma vantagem na
informação que se divulga. E vantagem não precisa ser só no
sentido econômico. Existe vantagem na informação que empresta um
sentido ao mundo, explica a realidade de um jeito que esteja do nosso
agrado.
Muita
gente pode preferir a meia verdade ou até mesmo a mentira, desde que
alivie a dor. E ninguém está dentro do outro para saber onde doi, e
o que dói. Até promessas já comprovadamente falsas ainda podem
continuar servindo como esperança - especialmente onde não se
percebe mais nenhuma esperança. A vida precisa tanto de esperança
quanto precisa de oxigênio, a ponto de alguns se confortarem com
falsas promessas, ideologias, mentiras, fantasias, com a consequência
de colocar uma espécie de véu diante dos olhos. O pior cego é
aquele que não quer ver, e o pior entre os piores, é o que trama e
manipula para que os outros não vejam. Parafraseando Marina
Colasanti, a gente se acostuma com as meias verdades e até com as
mentiras, mas não devia.A vida, sugeriu Sartre, é um equilíbrio
entre escolhas e consequências. Se escolhemos aceitar conviver com
meias verdades e mentiras confortáveis, seguiremos conduzidos como
gado ao matadouro. "Eh, vida de gado, povo marcado, povo
feliz!", denuncia a canção.
*Vilmar
Berna é escritor e jornalista. Fundou a REBIA - Rede brasileira de
Informação Ambiental. Edita deste janeiro de 1996 a Revista do Meio
Ambiente e o Portal do Meio Ambiente. Em 1999, recebeu no Japão o
Prêmio global 500 da ONU para o Meio Ambiente e, em 2003, o Prêmio
Verde das Américas.
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