sábado, 8 de dezembro de 2018

Democracia é para os fortes


Por Vilmar S.D. Berna*
Rótulos são para os fracos que tentam fugir do debate por que não tem argumentos.
É exatamente do encontro com quem me desafia, me confronta, me contradiz - claro, respeitosa e elegantemente - que tenho a chance de exercitar melhor minha capacidade de argumentação, onde meus valores e conhecimentos terão de ser testados, e posso sair do debate melhor do que entrei, posso aprender, posso mudar, posso ajudar o outro a aprender e a mudar também se ele quiser.
Quem pensa diferente de mim não é meu inimigo. Apenas é uma pessoa que pensa diferente de mim. Não é mais importante que eu por isso, nem eu mais importante que ela.
Não sou obrigado a ganhar todas as discussões, não tenho pretensões de ser dono da verdade ou da razão, pois várias vezes já estive errado. Muito menos me sinto na obrigação de convencer ninguém, especialmente se já estiver convencido ou se recebe benefícios e vantagens em não se deixar convencer. 
Numa democracia existem mecanismos para arbitrar as diferenças. Somos livres para pensar o que quisermos, mesmo que contrarie as próprias leis, mas nossas ações são limitadas pelas leis. Ou sofreremos as consequências.
Sim, certas diferenças são duras de suportar e nos testam aos limites. Entretanto, não mudam o fato de que o pensamento é livre, enquanto a expressão desse pensamento, e principalmente as ações que podem resultar dele, precisa se subordinar as leis. Pedófilos, torturadores, machistas, racistas, são o que são, livres, mas responsáveis legalmente por suas palavras e ações.
A democracia, apesar de todos as suas fragilidades, é um regime de fortes, da força da lei sobre a vontade de grupos ou indivíduos. Diferente de ditaduras - a esquerda ou a direita -, em que a verdade é uma só e a liberdade do contraditório pode ser confundida com subversão ao ditador de plantão.
Na democracia, temos o direito igual de sermos diferentes sem sermos discriminados por isso.
Não existe meia liberdade. Se quero ser livre e exercer meus direitos de pensar e ser diferente, preciso aceitar e aprender a conviver com a diferença do outro, goste ou não. 
Não posso exigir que alguém goste de mim, de minhas idéias, mas posso e exijo respeito.
O mundo seria um lugar muito chato se todos pensassem igual. 
A natureza ensina, onde existe biodiversidade existe vida. 
Como no jogo de futebol, as palavras e as ideias são como a bola, que passamos para outro. As vezes resulta em gol, as vezes precisa começar tudo de novo do início. Se todos jogassem no gol, não teria jogo.
Precisamos de uma educação desde o início, em que nossas  crianças sejam estimuladas a lidar com os diferentes e a debater sobre as diferenças.
Ninguém nasce sabendo ser democrático. Democracia  precisa ser aprendida  desde a família, na escola e na sociedade inteira. A vida toda. O tempo da censura não tem lugar nas democracias. Também não existe espaço nas democracias para o "cala a boca, você sabe com quem está falando? Quem manda aqui sou eu!", muito menos para 'zoacao' ou 'trote' como ritual para ser admitido pelo grupo.
*Vilmar S.D. Berna é escritor e jornalista. Fundou a REBIA - Rede Brasileira de Informação Ambiental. É editor desde janeiro de 1996 da Revista do Meio Ambiente e do Portal do Meio Ambiente. Em 1999, recebeu no Japão o Prêmio global 500 da ONU para o Meio Ambiente e, em 2003, o Prêmio Verde das Américas.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

Ninguém nasce sabendo ser democrático


Ninguém nasce sabendo ser democrático, sabendo dividir, respeitar diferenças e direitos. Estes serão aprendizados de uma vida toda.
Uma sociedade democrática não é feita de suas leis e instituições. Estas são apenas abstrações jurídicas, só existem no papel.
Uma sociedade democrática nasce das lutas pela cidadania e pela democracia, e é feita por pessoas e pelo que essas pessoas escolheram convencionar entre si, e também pelos seus representantes - que fazem e fiscalizam as leis em nome de todos.
Numa democracia nenhum indivíduo, por mais importante que seja, pode estar acima das leis. Por isso, os que são escolhidos para fazer as leis e fiscaliza-las, em nome de todos, merecem tanta importância. Entretanto, a ação democrática não se esgota apenas com a transferência de poder, com o voto na urna, mas vai além disso. Ser democrático é um estilo de vida, uma forma de escolher estar no mundo e fazer a diferença. Alguns escolhem ser totalitários, donos da verdade, ditadores, outros escolhem o contrário, aceitam as diferenças de opinião, de idéias, como um fato natural da vida.
A democracia é viva. É um exercício de cidadania, uma construção de nossa própria personalidade. Alguém que viva numa democracia mal compreende o que é viver numa ditadura, e vice-versa, tão diferente são tais realidades e visão de mundo.
Considerando que não existe um único indivíduo igual ao outro no universo, o que temos de comum uns com os outros são mais nossas diferenças que nossas semelhanças. Então, parece ser de bom senso aprendermos a conviver com as diferenças, aprender a negociar conflitos, reconhecer até onde vão nossos direitos e onde começam os dos outros.
Somos iguais em dignidade humana e perante a lei. Fora isso, somos todos diferentes, e precisamos aprender a nos respeitar e aprender que a diferença não é um demérito, mas uma vantagem evolutiva. Sempre que um ecossistema perde sua biodiversidade se encaminha para o final. Na natureza, quando mais diversos, mais fortes, quando menos diversos, mais fracos.
Democracia é educação e treinamento, e começa na família, desde a primeira infância. Para quem tem irmãos parece mais fácil que para quem é filho unico.
Uma vez perguntaram a um especialista qual era a diferença entre educação e treinamento e ele respondeu com outra pergunta: "Você educa ou treina sua filha sexualmente?"
Famílias e ambientes totalitários (tipo, 'quem manda aqui sou eu', 'cala a boca', 'criança não deve se meter em assuntos de adultos', etc) não ajudam a formar bons democratas, assim como ambientes permissivos ('passar a mão por cima') também não.
Nem sempre é fácil.
Às vezes, diante de certas diferenças, a distância parece ser a melhor estratégia. Às vezes, não.
Aprender a ser tolerante, a respeitar as diferenças - mais que uma medida de bom senso ( pois para ser respeitado também precisamos saber respeitar ), é uma estratégia de  ampliar nossas redes de relações para muito além dos que pensam como nós, torcem pelo mesmo time, abraçam as mesmas causas políticas e ideológicas.
Os diferentes de nós nos acrescentam, nos desafiam a pensar, a melhorar nossos argumentos, nos ajudam a apreciar a vida sem julgar, sem desejar que o mundo seja a nossa imagem e semelhança, ampliam nossos horizontes.
Entretanto, uma sociedade democrática pressupõe escolhas, decisões, e para decidirmos, precisamos, por um lado, de informações e, por outro, de valores.
Um caçador, por exemplo, pode possuir mais informações sobre a fauna e seu comportamento que muitos ambientalistas, mas não usa estas informações para preservar a fauna, mas para extingui-la.
O desafio para uma sociedade democrática e sustentável, é oferecer informações ambientais verdadeiras, mas, ir além disso, e também oferecer valores a serviço da vida e da sustentabilidade.
*Vilmar S.D. Berna é escritor e jornalista. Fundou a REBIA - Rede Brasileira de Informação Ambiental. É editor desde janeiro de 1996 da Revista do Meio Ambiente e do Portal do Meio Ambiente. Em 1999, recebeu no Japão o Prêmio global 500 da ONU para o Meio Ambiente e, em 2003, o Prêmio Verde das Américas